Hoje trabalhei um pouco no meu conto que apresentei na aula de Teoria da Literatura período passado, "A Curva". Cortei, modifiquei, adicionei, enfim, mudei muita coisa para esta versão. Talvez sejam os novos elementos, mas o resultado final não me agradou muito, parecendo muito confuso diante da simplicidade que me parecia tão bonita das primeiras versões. Resisti ao impulso de apagar tudo para ter algum feedback.
Sem mais...
A curva
A música soava com uma freqüência rotineira. Os alto-falantes suavemente vazavam o som de teclados e percussão leve, criando uma sedutora trilha sonora para nossa viagem à meia-noite através das cortinas do negrume. As janelas estavam frias ao toque, refletindo as condições geladas do lado de fora. Manchas de sal e impressões digitais sujavam o vidro e nas ruas neve derretia escorria como cascata das calçadas. Um casal se abraçava na esquina, dividindo mais calor que eu sentia em meu assento estofado e casaco fechado.
A música pulsou mais alta, porém gentil, como o chiado distante de um pote de água fervente. O céu brilhava fracamente, dando-nos um vago vislumbre da aurora distante (o dia em que eu aprender a voar, eu nunca vou descer, pensei despreocupadamente). O carro disparava por um trecho dolorosamente reto da estrada e ela não tinha movido o volante nem ao menos dois graus nos últimos vinte minutos, nem mesmo falado.
Percebi finalmente que tinha chegado a época dos resfriados e sobretudos. Se estávamos quietos na viagem era porque queríamos chegar em casa, pensei. Resquícios das memórias do verão inundaram minha mente, os dias que eu guardava nos confins da minha mente. Como nós fomos; tão perfeitos e tão felizes, nas memórias do verão tão distante do medo e dos ciúmes. Agora, entre cada sorriso há uma lágrima nos olhos. O tempo era tão tangível (eu nunca o deixarei escapar). Nossos sonhos pareciam tão distantes. Um trem havia saído da cidade uma hora atrás; mas esperara por ela... e nem eu.
A música parou e por um instante o carro parecia parado também, a paisagem tão repetitiva que era estática. Sem desviar o olhar, com um gesto quase mecânico, ela tocou o botão de reprodução suavemente com a ponta de sua unha manicurada. Se eu fosse resoluto, ela me pediria para mudar?
"Por que você está fazendo isso?", ela disse sem esperar uma resposta. Sua voz penetrou o ar viciado como um espião em filmes de criança, tão silenciosamente que fez meu coração saltar.
"Eu não estou fazendo nada", eu disse, sem um átimo de crença no que dizia. "Isso é o que é melhor. Para mim, para você, para nós." Ou talvez apenas para mim, eu pensei, enquanto uma lágrima se formava no canto de seu olho esquerdo. Chovia; não uma torrente mas uma garoa fina, triste e gelada que parecia seguir o ritmo sonolento que pingava dos alto-falantes. Eu não te amo mais, era tudo o que eu queria dizer. Nunca havia sentido tanto frio. E sob o véu do crepúsculo seguimos.
Súbito, a música jorrou dos alto-falantes e nós estávamos nos perdendo na cadência, duas poças crescentes em uma tempestade. Ela olhou para baixo e fechou seus olhos por um pouco mais que um instante, suas mãos delicadas se fechando com força no volante. Então ela estava chorando. Então ela estava gritando. Então eu estava gritando. Nossos mundos se chocavam e a distância se mantinha, a culpa e a apatia fazendo chover confissões, sem respostas ou soluções... e nós nem ao menos sabíamos as perguntas.
Nossas vozes entrecortadas se tornaram parte da música. O carro dardejava pela noite. Enquanto nossas vozes diminuíam, a cadência novamente dominou o ar. Adiante, uma curva se aproximava. Ela não fez menção de frear.
Um comentário:
Seu copião de brand new!!!
gostei dessa sim, mais do final (que é basicamente o primeiro).
eu, e eu repito eu, gosto mais quando a narrativa não é muito adjetivada e tal
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