sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Coração da tempestade

Um chapéu de aba, grande. Maior do que sua cabeça, desengonçado, torto. Marrom, manchado pelas gotas d'água em um tom mais escuro. O olhar era fixo, decidido, demonstração de uma vontade inexorável. Persistia sentado no telhado, as gotas caindo devagar em gotas finas e frias. Camisa aberta, branca, as mangas arregaçadas até o cotovelo, o peito nu molhado e gelado com as gotas - ainda finas, ainda frias. Estalava os dedos. De tempos em tempos, estalava os dedos. E continhava olhando. A bermuda ocre, de brim, estava ensopada. Absorvia a água que escorria pelo telhado como cascata em miniatura. Os sapatos estavam arruinados, sujos de lama e graxa. Ele não queria se lembrar como os havia sujado. E continuava olhando.

Estava frio. Ignorou o casaco; havia deixado-o para trás faz muito tempo. Se é que ainda havia atrás, pensou tristemente. Deve ter sido engraçado, pelo menos para ele, porque riu. Uma única risada, quase um sorriso, o máximo que podia fazer sem desfazer seu olhar. Alegria não combinava com aquele olhar. Um sorriso não combinava com aquele olhar. Uma pessoa não combinava com aquele olhar.

Se levantou. A água escorreu por todo seu corpo. O vento desnudou seu ombro direito, mas ele não se importou. Ou talvez nem tenha percebido. Deu dois passos para trás; escorregou na graxa presa na sola dos sapatos. Recomposto em alguns segundos, sem desviar o olhar mesmo enquanto caía, correu. Quebrou telhas, escorregou, quase caiu. E quanto estava perto o bastante (quando julgou estar perto o bastante), saltou.


O ar congelou a seu redor, o tempo desacelerou, a gravidade inexistia. As gotas não o atingiam em seu momento sublime parado em pleno ar, sua camisa pendurada no braço esquerdo. Voava; invencível, inabalável, seguro. Determinado. Nem por um segundo achou que não conseguiria. Havia vencido desde que tomara a decisão. Esticou o braço, uma certeza absoluta guiando seus movimentos como uma máquina perfeitamente calibrada. Uma gota tocou seu rosto. Os dedos tocaram a borda. Flutuou e se segurou. Gotas o atingiram como uma metralhadora, seu mundo explodiu em dor contra a parede. Ele apenas esticou o outro braço e se puxou para cima com um único movimento, apesar dos braços finos, colocando-se imediatamente de pé no último telhado. E a chuva se tornou tempestade.

Gotas se tornaram baldes, vento se tornou furacão, o frio se tornou gelo. Seu olhar se transformou. Desafiava a água, desafiava o vento, desafiava o frio, com seu olhar destemido, um sorriso selvagem estampado no rosto molhado de chuva e lágrimas. O vento arrancou de vez a camisa e ele precisou ajustar a base para não cair do telhado. Respirou fundo e começou a gargalhar. Era imbatível. Via o vento arrastando folhas que nada podiam faezr para reagir, a força das pancadas de água dobrando plantas e as pessoas tremendo de frio abaixo dele. Sim, abaixo dele. Havia superado a água, o vento e o frio. Havia superado a tempestade.

Mas era tolo. Como toda pessoa, havia tolice escondide em algum canto de sua mente e sua alma e, como tolo que era, lançou um olhar para o céu. Um único olhar para o céu, para a imensa, assustadora e magnífica nuvem negra que vomitava água e vento e frio. Um brilho azul e ele olhou o coração da tempestade. E a tempestade olhou em seu coração. E o trovão soou como uma gargalhada depois que o relâmpago o ofuscou e o raio atravessou seu corpo.

3 comentários:

Unknown disse...

se começa a ler difícil parar antes do final prende a atenção

Anônimo disse...

Você esperava mais de mim, Thiago? Que pena, você tava errado em fazê-lo.
SWAT tava dando a idéia de ir comer Dou-Dou quinta que vem. I'm all for it.

Arise! disse...

Muito obrigado pelas palavras de apóio Thiago. É muito bom saber que mesmo depois de muito tempo sem nos vermos, ainda existe uma amizade.

Quanto à cena punk, você a conhece melhor do que eu portanto não vou discordar. Mas ainda sim acho que você tem como contribuir para o blog Arise!, pois uma das coisas que euy pretendo fazer nele é publicar reviews de álbuns clássicos (aqueles que você daria nota 10). Você poderia escrever sobre esses álbuns clássicos...

Também pretendo escrever e publicar matérias especiais e artigos sobre bandas, então você poderia também fazer algo do tipo. Bom, espero que você considere a possibilidade de contribuir...

Abração cara, e mantenha contato...