Enquanto o avião se afastava, sumindo no horizonte, ele mantinha os olhos fixos na tela de televisão. A mente esvaziada de pensamentos, os dedos golpeando teclas de forma ritmada, vozes digitalizadas ecoando pelo quarto vazio. Vazio. Um único pensamento, uma única palavra, atravessou a forte barreira que ele havia construído concentrando-se nos milhares de pixeis em movimento. Sozinho. Ele se levantou da cama, ignorando o jogo em curso.
- Não é a primeira vez. - ele murmurou para mais ninguém.
Em outro lugar, a bordo de um avião, uma jovem lia um romance de R.A. Salvatore. Ela não demonstrava a menor intenção de olhar para os lados, para a frente e (especialmente) para trás - sua atenção focava-se, única e exclusivamente, na leitura. A literatura de fantasia sempre lhe pareceu tola, fraca, sem valor - nada melhor para passar o tempo em uma viagem como aquelas, nada para lhe ocupar os pensamentos. E ela lia e seguia, sem se importar, sem olhar para trás.
Ele observava o céu da noite. Não é a primeira vez, repetiu para si mesmo mentalmente. Que direito ele tinha de se chatear, que direito ele tinha de se irritar, que direito ele tinha afinal? Nenhum. Fui eu quem fiz isso comigo mesmo. E a culpa pesava. Revendo minhas atitudes, só posso me arrepender.
- Eu sinto sua falta! - gritando para o céu. - E do jeito como tudo costumava ser.
Ela lia. E sorria.
- Uma soda, por favor. - sem olhar para a aeromoça.
- Laetitia! - ele gritou, dedos cravados no batente, sem pensar. - Você me destrói! - Não consigo entender como eu me sinto tão sozinho...
- Nós nunca poderíamos ficar juntos para sempre. - ela disse após um gole de soda, o livro fechado, indicador marcando a página. Quando o livro se abriu ela continuou não olhando para trás mas também não sorriu.
- Eu sei que você pode me ver! - e lágrimas brotando devagar.
Ele correu seus olhos pelo quarto. Livros. Lembranças. Julho parecia muito distante, um sonho, uma brincadeira para todos, exceto para ele. Apenas palavras.
- Como se acontecer não fosse o suficiente... - a voz embargada, murmúrios para mais ninguém.
Ficou quieto, não se sentiu bem, passeou pela cozinha. Lembranças. E agora eu quero te matar como só um melhor amigo pode. Mas a raiva passa.
Um avião, músicas, atenção dispersa. Olhos no agora, nem no passado nem no futuro. E no fundo ela sabia que não lembrava porque não queria. É isso que você chama de tato? Ela se perguntou. É isso que você chama de fuga?. Ela suspirou. Vamos terminar esse pensamento e essa conversa.
E chorando, ele concluiu. Mesmo que o avião caia, ela vai me desapontar. Não vai se queimar nas ferragens nem se afogar no fundo do mar. Laetitia, eu me reservo o direito de te odiar. Ele riu do pensamento idiota. Olhou pela janela mais uma vez.
- Amor. Ódio. E tem você. - e ela olhou para trás pela janela. E sorriu tristemente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário