Foi ao médico logo cedo. Era uma consulta de rotina, ele bem sabia, coisa comum para quem se preparava para uma promoção na empresa em que trabalhava. Se lembrava claramente da secretária lhe avisando: "Há um exame médico marcado para o senhor". Um sorriso se desenhava involuntariamente em seus lábios, da mesma forma que quando recebera a notícia, sempre que a lembrança atravessava sua mente.
"Pode entrar, senhor."
A secretária do oftamologista era linda. Esguia, cabelos castanhos cuidadosamente presos em um coque, nenhum fio fora de lugar, óculos quadrados de aro grosso, traços finos e delicados, um certo ar europeu que o forçava a observá-la com atenção. O terno branco era elegante, vestia bem a jovem moça. Ela tinha, o que, uns 22 anos? Jovem, sim, não tão mais jovem que ele (mal havia passado dos trinta, gostava de lembrar). O paletó lhe parecia um pouco decotado demais, mas talvez fosse sua imaginação. Seus olhos por vezes o enganavam. Via um cachorro e pensava ser bem maior do que devia, via um buraco e achava ser mais fundo. Agora via um decote mais ousado do que realmente era.
"Não que eu esteja reclamando", murmurou para si mesmo enquanto finalmente entrou no consultório.
O médico o olhou por detrás da mesa, se levantou e apertou sua mão efusivamente, balançando-a com vigor. Era um homem pequeno, um pouco careca, barrigudo, mas um médico muito respeitado.
- Pode sentar. - disse o doutor, examinando os papéis que o paciente entregara. - Oh, sim, seus exames. Agora é só pegar a promoção, hein?
Ele apenas sorriu. O que mais podia dizer? Era a mais simples verdade.
O médico, porém, leu e releu os exames. O paciente começou a ficar preocupado. O que estava acontecendo?
- Doutor...? - perguntou, hesitante.
- É... é muito difícil para mim dizer isto. - o médico esfregou os olhos, suspirou, deu um tapa estalado na própria perna. - O senhor está cego.
Piscou. Olhou para o médico, prendendo seu olhar, envisando o fundo dos olhos negros do profissional da saúde. Olhou para as próprias mãos, as abriu e fechou. Leu a placa de PhD do doutor na parede.
- Doutor, minha visão está perfeita. - concluiu.
- Você deve procurar uma forma de aprender braile, comprar um cachorro. Um labrador. - suspirou. - Desculpe, devia ter percebido enquanto era tempo. Cego e sem cura. Mil perdões.
Lágrimas silenciosas escorriam pelo rosto do médico. E o paciente as via claramente. Sentindo-se em um ambiente surreal, feérico, ele se levantou bruscamente e saiu.
"Cego", resmungou sozinho. Que médico idiota.
Olhou para os dois lados, a rua completamente vazia, como se estivesse no Centro da cidade em uma manhã de domingo. Caminhou em segurança para atravessá-la e chegar a seu carro.
Foi quando um ônibus o atingiu em cheio. A última coisa que pensou foi "Médico filho da puta".
2 comentários:
Não se mate Shinken NOOOOOOOOOOO!!!
Ficou legal, só meio trágico na morte. This is not a mexican soap opera.
gostei de tudo do conto menos do final.
não que seja triste nem nada, só desnecessário.
Ah , agora to vendo o comentário do vagner, extamente isso.
angelo
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