sexta-feira, 19 de março de 2010

Inércia

Todas as tardes nubladas de outono carregam o cinza no sol, no vento, nas nuvens e nas pessoas. O sol cinzento do outono nublado passava preguiçosamente pela grossa camada de poeira encrustada no vidro da janela velha. A madeira, descascada, devorada por produtos de limpeza e cupins, tingia de ruína o cinza de quem olhava para dentro ou para fora.
Chovia. Chovia fraco e chovia preguiçoso, como uma goteira mal fechada que pinga a madrugada inteira. Mais pingava que chovia. As gotas, de lentas que eram, pouco faziam para tirar a poeira da janela.
Douglas observava, uma lata quase vazia de chá gelado na mão, apoiado ao batente. Costumava ser um grande admirador do outono. Apreciava imensamente os dias de sol, mornos como abraço de amigo, entrecortados de brisas refrescantes. Mantinha também um carinho especial pelos dias nublados de chuva fina e frio que dispensava agasalhos.
"Hoje não é um dia desses", pensou um desanimado Douglas. "Esse não é o cinza do meu outono. É tímido demais."
Enquanto via por sua moldura arruinada as pessoas se arrastando pela vida lá fora, Douglas se perguntava o quão distante estava daquilo. Não se arrastava, também, pela vida? Não permanecia, ele próprio, num estado de repouso até que um ou outro evento o arrancasse do mesmo?
- Talvez seja mesmo hora de agir. - disse para ninguém em particular.
O rapaz de cabelos castanhos e olhos negros, do alto de suas quase duas décadas, tinha muito do que se arrepender. De alguma forma, apesar de sujeito à mesma inércia que condenava nos transeuntes logo abaixo, Douglas não tinha dúvidas de que vivera plenamente até ali. Ele havia errado, acertado, sofrido, sorrido, ferido e sangrado. Coincidências, destino talvez - mas nunca escolhas conscientes.
"Mais isto que aquilo.", e tomou em mãos o telefone. Decidiu desafiar a inércia da vida, uma vez que fosse, por conta própria.
- Alô, Vanessa? É o Douglas...

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